A Carta
Não era a
primeira vez que ele transcrevia para o papel tudo aquilo que sentia em seu
peito. Não era a primeira vez que elogiava seu olhar, seu sorriso, o tom da sua
voz. Descrevia em doces metáforas todo aquele ser que ele tanto desejava.
Eram frases,
sujeitos e predicados, adjetivos, substantivos e tantos elementos variados e
tão diversos, unidos pela tinta fraca de uma caneta esferográfica, somente para
expressar um sentimento que lhe corria pelo sangue, bombeava seu coração e
levava suas mãos a pintar letras naquela que era uma carta de amor.
Ele poderia
enviar um e-mail, é verdade, mas considerava que a frieza do computador com
seus bits e bytes não seriam capazes de expressar o calor de seu amor, e
preferia então, agir como os antigos poetas e se declarar em palavras que o
tempo jamais poderia apagar.
Vinha da alma,
vinha do coração... Ou para falar a verdade, nem mesmo ele sabia de onde vinha
tudo aquilo. Talvez fosse o Cupido, balbuciando versos, rimas, repetindo
infinitamente o nome dela em seus ouvidos. A caneta, sua confidente, desenhava
suas confissões apaixonantes que ele fazia, e o papel, outro cúmplice,
emudecidamente guardava tudo aquilo.
Enquanto
escrevia, imaginava as diversas formas como ela, sua amada, poderia reagir ao
ler todas aquelas linhas. Talvez ela adorasse, e iria telefonar, dizer que se
encantara e que o amava do mesmo modo. Talvez se apaixonasse e correria para
seus braços imediatamente, enfrentando todos os descasos que o destino
impusesse. Mas talvez se assustasse, e quando o encontrasse diria que ele havia
entendido tudo errado. Ou talvez... Talvez o odiasse. E sua mão parava,
afastando os lábios da caneta dos lábios do papel, enquanto aquela hipótese o
angustiava. Não podia imaginar ser odiado pela pessoa que ele mais adorava. Não
poderia ser odiado por amar... Ou poderia?
Suas dúvidas o
assombravam, seus medos o perturbavam e a flor de sua esperança, murchava. Mas
ao mesmo tempo, a imagem de sua musa ressurgia, e como uma fênix, renascia
iluminando seu peito mais uma vez, inflando e inflamando seu coração com aquela
“chama que arde sem se ver”.
Mais uma vez
se colocava a escrever, mais rápido, mais intenso, mais verdadeiro e apaixonado
que nunca. A cobria de elogios, enaltecia seu sufrágio de amor e descrevia os
doces sabores dos beijos que nunca ganhou. Comparava sua amada a tantas
belezas, lhe prometia as estrelas e dizia que viver sem ela era como viver num
céu sem azul. Escreveu tudo o que os poetas teriam escrito, citou rosas, o mar
e o infinito.
Depois de
ornamentar o instrumento da confissão de seus sentimentos, restava-lhe apenas
escrever a tão temida frase, que comprovava tudo o que ele havia transcrito
ali. E enquanto desenhava em letras “eu te amo”, sua mão tremia seu coração
palpitava cada vez mais forte e ele imaginava como estas três pequenas palavras
podem ter tanta força e causar tanto medo até nos mais corajosos.
Restou-lhe
assinar e colocar seu grande segredo dentro de um pequeno envelope. Preencheu o
endereço do remetente e do destinatário, e logo depois lacrou-o. Suspirou,
sorriu e guardou aquela carta de amor na gaveta do criado-mudo, junto a tantas
outras juras de amor que nunca sairiam dali.
Por Filinto Rossini

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