As notícias da manhã



E eis que ele acorda, cotidianamente como havia de ser, com aquela remelinha no canto do olho, a cara amassada, indignado com o despertador e com o corpo se recusando a sair do aconchego da cama. Lá fora o tempo seco, sem nenhum indício de chuva que possa alimentar a terra, que aliás, anda precisada. O primeiro local? O banheiro, e em respeito à privacidade, se é que ainda existe alguma, deixemos até que encerre suas necessidades.
A porta se abre, o cabelo mais arrumado, a cara lavada e um estômago clamando em rugidos por algum alimento. A cueca furada se lembra de dias mais dignos, enquanto o café é aquecido e o pão recebe suas camadas de manteiga, da esquerda para a direita, de cima para baixo. Sob a mesa, fazendo companhia ao leite, o notebook, já conectado nas notícias da manhã.
Café, pão, leite, queijo, corrupção, sangue, sexo e esportes. Fulano denunciando esquemas e mais esquemas, um político santo em campanha, mais um jovem assassinado, um traficante injustiçado e um religioso fanático. Poços de petróleo em algum lugar onde as tartarugas vão morrer e um homem que jura ser a reencarnação de Adolf Hitler. A mãe que abandonou a filha por dinheiro e o dinheiro que abandonou os bolsos por dias melhores em Miami. Mais uma goleada histórica e um jogador vendido a preços milionários para o Casaquistão. O artista de televisão que dormiu com uma mulher fruta, as aventuras sexuais da nova top model e os novos seios siliconados da miss bumbum. Ah! E o mercado financeiro? Vixe! O leite talvez já não mais acompanhe o seu café na semana que vem...
Mas ali, no canto, ao lado do notebook, uma notícia realmente importante, rabiscada em um pedaço de papel de pão. Escrita em letras garrafais, em giz de cera e desproporcionais, acompanhadas pela mais bela gravura mal desenhada de todo o universo, a manchete da manhã que lhe roubou uma lágrima e dizia simplesmente: PAPAI, TE AMO! E a inflação nunca fora tão boa.

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