O Homem da Calça Branca
Aconteceu
no interior de Minas Gerais, em uma dessas cidadezinhas onde o pão-de-queijo e
o café com leite acompanham o “bom dia” do povo e os vizinhos olham por demais
desconfiados, Januário, o primo do farmacêutico da cidade, o senhor Jurandir,
havia chegado a pouco do Rio de Janeiro.
Januário era um homem grisalho, dono
de uma lábia tão grande quanto o seu bigode, e havia desembarcado no interior
mineiro em busca de dinheiro fácil. Contudo, facilidade não era algo comum por
ali, ou se trabalhava de sol a sol na roça, ou se arranjava um emprego em algum
dos pequenos comércios da cidade.
Sem muita opção, Januário acabou
aceitando a oferta de seu primo, e começou trabalhando na farmácia, ajudando
Jurandir a cuidar de resfriados, mordidas de formigas e bichos-de-pé. E logo no
seu primeiro dia, ficou intrigado com o que ficou sabendo. Estava ele atrás do
balcão da farmácia, quando viu um movimentar de gente, que logo se transformou
em uma procissão. Vendo aquela multidão, e sempre malandro quando um assunto
era trabalho, resolveu indagar o primo:
— Ora Jurandir, se é dia
santo, por que estamos trabalhando?
— Uai primo, nem sabia que você era
católico.
— Ser, não sou, mas havemos de
respeitar a religião do povo, não é?
— Certo primo, mas carece fechar
não. Não é feriado, é simpatia!
— Simpatia? — Perguntou curioso.
— Sim, sim. Simpatia para Santa
Clara, pra ver se chove, que anda precisado.
— E o povo daqui acredita em
simpatia assim? — Perguntou curioso.
— Acredita é demais! Tem casa com
prato de sal grosso no telhado, só você procurar! Fora as cruzes feitas com
cinzas nos terreiros por aí. Tem gente deixando Santo Antônio amarrado de
cabeça pra baixo no sol, o dia inteiro.
— Mas Santo Antônio não é pra
casamento?
— Pra você ver o desespero do povo.
Acreditam em tudo.
“Acreditam em tudo”, era a frase que
ficava repetindo na cabeça de Jurandir, mas como conseguir ganhar algum com um
povo que só ficaria satisfeito quando a chuva molhar a terra? O carioca
lembrou-se de um amigo do Rio, que trabalhava em um sistema de meteorologia,
que praticamente não errava. No dia seguinte, ligou para Luciano, o seu amigo
meteorologista.
— Lulu? — disse assim que o amigo
atendeu — É o Janu da Quinze! Você ainda tem aquele super computador japonês
que acerta a previsão do tempo?
— Ele não acerta, Janu, ele prevê
com 95% de precisão.
— 95% de probabilidade de gravidez é
paternidade certa, meu caro. Então, me informa aí, vai chover quando no sul de
Minas?
Ouviu-se barulho de teclas sendo
digitadas e logo em seguida o tal Luciano falou:
— Quarta tem chuvisco rápido e no
sábado começa uma temporada de chuva, uns dez dias.
— Dez dias pra mim ajuda e muito,
Lulu.
E assim, Januário arquitetou seu
plano na cabeça. Na manhã seguinte, logo que alguém chegava na farmácia, ele
puxava assunto sobre o calor e a seca.
— Eu tenho uma calça branca, que
sempre que uso, chove! É tiro e queda. Aliás, tiro e água.
— Então por que o senhor não usa
para fazer chover? — Indagava alguns.
— É que tenho chamego com a veste,
tenho medo de rasgar ou manchar o pano. Mas se eu tivesse uma garantia, uma
quantia módica, sabe como é. Prontamente usava, que fazia gosto molhar as
plantações desse povo.
Mas como todo mineiro, quem escutava
o causo, logo desconfiava e duvidava das forças místicas da tal calça branca.
Então Januário prometeu que vestiria a tal peça na quarta-feira, só para
mostrar que não mentia.
Então na manhã do dia prometido,
Januário saiu à rua com a calça branca, encardida na barra pelo pouco uso. Quem
ouviu o boato ficou olhando de longe, esperando e ficando de boca aberta,
quando algum tempo depois uma forte ventania trouxe nuvens negras e um pouco de
chuva.
Januário ganhou fama com sua calça
que “trazia chuva” e logo os boatos sobre o feito trouxeram gente das
redondezas, querendo saber se Januário poderia usar sua “roupa meteorológica”
para trazer mais chuva, uma vez que a que havia caído naquela quarta, não fora
o suficiente para aliviar a seca.
Para todos que pediam a Januário que
colocasse a famosa calça branca mais vezes, ele sempre ressaltava o apego com a
peça e o receio de danificar e coisa e tal. Costureiras prometeram calças
novas, outros prometeram comprar uma veste nova, caso aquela fosse danificada,
mas Januário disse que tinha receio de cogitar estragar e desfazer da peça e,
como castigo, a sorte com a chuva ir embora.
Com custo, a população se reuniu,
fez uma vaquinha e deu a Januário uma boa quantia, para que o mesmo usasse a
calça branca mais uma vez e por mais tempo. Ele então prometeu que no sábado
usaria a calça e com certeza a chuva viria, afinal, Lulu prometera.
Chegou o sábado, e Jurandir desfilou
pela cidade com sua calça branca, um paletó branco muito alinhado e um chapéu
panamá. Ganhou aplausos, cervejinha e pinguinha, ganhou galinha e sacos de
limão. Era o rei do momento e no céu, nenhuma nuvem, mas ele dizia: “Pode
esperar que ela vai chegar”.
As horas passavam, o sol castigava,
o calor fatigava e batia recordes, mas Januário confiava nos 95% do computador
japonês. Quando o relógio marcou dezoito horas, o povo se indignara com a chuva
que não caiu, e as frases do homem da calça branca já não faziam mais efeito.
O povo o cercava, e ele se via como
um Frankstein naqueles filmes antigos. Havia brincado com a fé de um povo e o
computador havia brincado com seu “exame de paternidade”. Andando em passos
largos, conseguiu fugir até a porta da igreja.
Parecendo-se até com a Santa Clara
no dia da procissão para a chuva, Januário se encontrava rodeados por “devotos”
enfurecidos, é verdade. Se vendo sem opções, e a beira do linchamento, o homem
do Rio de Janeiro ergueu um dos dedos e pediu a palavra, iluminado pela lua,
que dominava o céu estrelado.
— Amigos, tenhamos calma! Já sei o
que me aconteceu e o porquê da chuva não acompanhar a calça branca no dia de
hoje. A cueca branca! Ela furou, e sem o conjunto completo e em bom estado, não
funciona. Assim que eu a costurar, a chuva vai cair, podem acreditar em mim.
E feito a mulher de
Ulisses na Odisseia, Januário costurou e descosturou sua cueca por vinte e sete
dias, até que finalmente a chu
Comentários
Postar um comentário