O Monstro dos Passarinhos



Por Filinto Rossini
O delegado Jurandir estava intrigado, era o vigésimo terceiro caso de roubo de passarinho em menos de uma semana e os moradores já começavam a criar causos e lendas sobre o monstro devorador das pequenas aves. Emissoras de TV, apresentadores de programas de auditório e sensacionalistas já começavam a ligar perguntando sobre o intrigante caso.
            Tudo começara com o desaparecimento do casal de canários de Olavo Teixeira, morador do bairro Santa Tereza, o homem nem havia dado queixa, só o resolvera fazer depois que tomou conhecimento do décimo quarto roubo, o de um papagaio nas localidades do bairro Novo Horizonte. Quando o pequeno jornal sensacionalista da cidade publicou alguns casos, dizendo que um grupo de ladrões parecia estar agindo no município, a delegacia recebera uma enxurrada de denúncias, algumas até um tanto mirabolantes, como o caso da dona Clara, que jurava de joelhos que certa tarde, testemunhara um homenzarrão em seu quintal, enfiando a mão em uma de suas gaiolas e devorando sem piedade um pobre canarinho belga. Já o Matias, um morador de rua que perambulava pelo Centro, contou que, certa noite, testemunhara uma pequena figura, menor que um anão, coberto de penas e dormindo no galho de uma árvore na praça principal. O tal ser fantástico teria aberto os três olhos, mirado o mendigo e gralhado como um corvo, e depois voou, seguido por uma penca de passarinhos, aqueles que teriam sido roubados.
            Cada dia que passava, Jurandi recebia alguém que contava uma história mais absurda que a outra. Até o Saci fora citado em depoimentos, na verdade, até mesmo o prefeito fora acusado de elaborar um esquema milionário de venda de passarinhos, tendo para isso, elaborado o roubo de todos os criadores das pequenas aves. Extraterrestres, fantasmas, Ícaros, moradores dos esgotos, apocalipse, máfias, revolta da natureza... Alguém sempre tinha uma informação nova e, aparentemente, inverídica.
            Quem vivia da venda das aves, cobrava absurdos dos que quisessem adquirir novos exemplares. Tal fato fazia com que o delegado suspeitasse que um grupo de vendedores estivesse raptando os pássaros para vender outros a alto preços na cidade. As raptadas deveriam estar sendo vendidas em cidades da região.
            A verdade era que ninguém sabia ao certo o que se passava, somente que os passarinhos sumiam, e isso se deu por dias a fio. Logicamente que após as reportagens dos programas de cadeia nacional, diversos relatos sobre os seres folclóricos se espalharam pelo país, chegando até mesmo a acusar uma mistura do homenzarrão de Clara com o anão de Matias, de furtar duas emas raras de um zoológico no México. Fotos de vultos em aviários nos Estados Unidos e um louco vestido de pássaro na Europa. O famigerado e místico Monstro dos Passarinhos havia investido em uma carreira internacional. Embora os roubos de passarinhos tenham continuado na cidade, mesmo com as “viagens” do ser misterioso, e só terminaram, quando em uma manhã do mês seguinte, uma revoada de passarinhos coloriu o céu da tarde.
Periquitos, canários, calopsitas, papagaios, pardais, sabiás e tantos outros colorindo o céu e enchendo a cidade de uma melodia inigualável. Dizem que um morador do Santa Cecília teria encontrado o homenzarrão, todo coberto de penas e realizando mais um furto em uma gaiola, o tal larápio aviário teria sido surpreendido por um homem que lhe dera uma vassourada na cabeça e, antes mesmo de cair desmaiado no chão, a criatura teria se desfeito em mil passarinhos que sobrevoaram a cidade toda. Se alguma entidade se desfizera com uma vassourada, isso ninguém sabia ao certo, o que se sabia realmente era que o céu havia tomado cores inigualáveis naquele dia.
Aliás, havia sim alguém que sabia o que acontecera, a Manuela.
Manuela era uma menina de uns treze anos, carinhosamente conhecida como Manu. Seu pai trabalhava na fábrica de bolsas e sua mãe era professora, além de Manu o casal ainda tinha mais um filho, o Lucas, de três anos. Eles não eram uma família de comercial de margarina, mas do seu jeito, mesmo com todos os problemas que uma família pode ter, eles eram uma família feliz.
Foi quando o inverno chegou, e não chegou somente esfriando os corpos, mas congelando alguns sonhos daquele quarteto. Lucas fora diagnosticado com uma doença rara, inicialmente sem cura, que tiraria dele completamente a visão em dois anos ou menos. Não havia tratamento ou cirurgia que o pudesse ajudar, deveria haver somente conformidade com a situação do pequeno garoto. Como de praxe, a notícia caiu como uma bomba na casa de Manu, o pai não aceitou bem, a mãe muito menos, procuraram-se médicos, soluções e orações, mas a verdade era que o caçula da família estava fadado à cegueira.
O menino não entendia muito bem o que lhe acontecia, já Manu, chorou algumas vezes pelo irmãozinho. Certa vez, enquanto brincava com Lucas, buscando realizar alguma vontade do irmão, Manu perguntou o que ele gostaria de ver na vida dele, e ele respondeu:
— Um céu colorido, azul todo dia é chato.
— Mas não tem jeito de colorir o céu, Lucas.
— Tem sim Manu, tem sim.
Mas o menino não descreveu a fórmula, apenas proferiu o desejo. E com essa vontade mágica de seu irmão, Manu dormiu e acordou dias e mais dias, buscando alguma forma de “colorir o céu”. Tentou programas de edição de imagens, calculou quantos balões precisaria encher para fazer nuvens artificiais, até que um dia, no fundo do quintal, enquanto brincava com o irmão, um grupo de maritacas cruzou os céus, Lucas apontou para as aves e falou:
— Olha Manu, passarinho cororindo o céu.
— E passarinho colore o céu, Luquinha? A irmã perguntou para o menino que acompanhava com os olhos os pássaros.
— Corori Manu, e fica bonito. Eu gosto de passarinho que corore o céu.
E foi neste instante que a vida de Manu mudou. Ela resolvera que iria colorir o céu, e enche-lo de passarinhos. Ela aprendeu na internet a fazer arapucas. Não foi muito feliz nas primeiras versões da armadilha, é verdade, mas mesmo assim foi conseguindo. E numa casa abandonada, nos fundos de casa, começou a alojar seus hóspedes. Comprava alpiste com o dinheiro da mesada e enchia bacias de água. As janelas e portas foram lacradas com um plástico que deixava a luz passar.
Foi então que aconteceu o primeiro furto. Manu roubara os canarinhos do vizinho. Mas o primeiro ato da gatuna não foi totalmente perfeito, o que fez com que o seu pai a pegasse enquanto ela pulava o muro de casa, com o pequeno refém alado em mãos. Quando questionada pelo pai pelo mau ato, ela tentou diversas explicações, várias desculpas, mas por fim resolvera contar seu plano e o porquê dele. O pai não aprovou, disse que era loucura e que ela estava errada em roubar o passarinho do vizinho, ele então pegou a ave e a devolveu ao dono, dizendo que ela havia escapado e estava em seu quintal.
À noite, contudo, o pai de Manu não conseguiu dormir, pensando na ideia da filha. De repente, de pijama, o homem se viu invadindo o quintal de seu vizinho e cometendo o mesmo crime da filha. Incrédulo com o que havia feito, ele bateu à porta do quarto de Manu, a acordando e mostrado o que tinha em mãos, e em minutos, Manu tinha um cúmplice e mais um exemplar para o seu plano.
Os furtos de pássaros aumentaram, ainda mais quando Manu convenceu um grupo de meninos muito seus amigos, e conhecidos pelas suas traquinagens, a ajudá-la com os roubos.
— Passarinho nasceu pra voar, não pra viver em gaiola. Dizia como desculpa para os seus atos. Aliás, foi esta a desculpa, além do verdadeiro motivo, que o pai de Manu deu para sua esposa quando contou sobre os atos e planos da filha, depois de ver no jornal da cidade a notícia sobre o Monstro dos Passarinhos. A reação da mãe foi de recriminação e de promessa a ir até a delegacia revelar tudo e devolver os pássaros aos seus donos, contudo, assim que saiu a mulher retornou cinco minutos depois com um pombo escondido na bolsa.
E assim o fantástico monstro ganhou os seus braços e mãos, e os pássaros foram sumindo de gaiolas, poleiros e de algumas árvores. A quantidade de alpiste e frutas foi aumentando, assim como as de baldes e bacias na casa abandonada.
Manu e seus pais, juntamente com os amigos da menina, arrumaram gaiolas e mais gaiolas, e na primeira manhã de setembro levaram Lucas para um descampado, no mirante da cidade, e lá, na hora marcada, enquanto o caçula olhava para o alto, as gaiolas foram abertas e um mar de pássaros invadiu os céus, enfeitando o azul celeste com as cores de mil penas.
Lucas abriu um sorriso enorme, olhou para os pais e para a irmã, e voltou a contemplar seu céu colorido, com o dedinho indicador apontado para aquela aquarela viva.
— Ó Manu, céu tá cororido. — Disse.
— Não tá, Luquinha? — Falou, sem esconder as lágrimas.
— Tá bonito.... bigado. — E o menino abraçou seu Monstro dos Passarinhos.


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