Pensamentos Pecaminosos no 433
Caminhava
João Carlos até a entrada do prédio Santa Gertrudes. O jovem rapaz de vinte e
oito anos havia acabado de se mudar para a cidade. Não fazia muito, ele havia
se formado em direito e começava a dar os seus primeiros passos na carreira.
Defronte ao 432, o apartamento de
João, estava o 433, domicílio de Cláudia Veloso, bela moça de olhos verdes e longos
cabelos negros, e que parecia ter entre vinte e nove a trinta anos. Pouco se
sabia sobre ela, raramente era vista fora de seu apartamento. Contudo, naquele
dia, chegando à sua residência, João presenciou aquela bela mulher enfiada num
sensual vestido negro, extremamente justo, e recostada à entrada do 433.
Cláudia, que mais parecia o pecado
encarnado, observou João, que ficara imóvel e boquiaberto com aquele ser à sua
frente. E enquanto acendia um cigarro, disse ao rapaz:
— Olá.
Bastou ela proferir sensualmente
essa palavra, para que o sangue de João incendiasse num mar de desejo. Jovem, e
com os hormônios em fúria, ele resolveu conversar com a moça.
— Olá... Senhorita...
— Senhorita?! Ora, vamos parar com
isso bonitão, está parecendo o meu pai. Me chame de Claudinha.
— Então... Olá, Claudinha. Como vai?
Será que posso te ajudar em alguma coisa?
— Claro, em muitas. Preciso de
alguém para arrumar a minha pia, será que você entende do serviço?
— Posso tentar.
— Então entre, vamos ver como se
sai.
João entrou, e já se imaginava nos
braços e caprichos de Claudinha. Contudo havia algo que João não sabia, e que
também não fora revelado sobre a “fogosa Claudinha”. O fato era que a moça sofria
de dupla personalidade. Algumas vezes ela era Claudinha, sensual, ninfomaníaca
e sem nenhum pudor. Outras vezes, esta personagem pecaminosa dava lugar à Dona
Cláudia, uma verdadeira “urubu de igreja”, que se vestia de preto e pregava o
extremismo do pudor e dos bons costumes. Outra coisa que João não sabia, era
que Dona Cláudia era casada com um major do exército, o senhor Romualdo Cardoso
Veloso, conhecido como o mais rabugento e linha-dura das Forças Armadas.
O então encanador, fora até a
cozinha, precisava ao menos fingir que realmente estava lá para arrumar uma
pia, que na verdade, não estava defeituosa. Claudinha sumira dentro do quarto.
Poucos meses na cidade, e João iria passar a tarde com uma das mais belas
mulheres que ele já vira. Colocou-se a imaginar as reuniões com seus ex-colegas
de faculdade, e como eles não iriam acreditar na sorte do novo advogado.
Interrompendo seus pensamentos de “glória e êxtase”, Claudinha apareceu à porta
da cozinha, num baby-dool vermelho, encoberto apenas por um hobby semi-aberto,
dizendo:
— E então? Se já acabou o concerto,
deixe-me pagar pelo serviço.
João ficou louco, correu para
abraçar a moça. Beijava-lhe o pescoço, mas quando sua mão segurou mais embaixo,
ousando apalpar lugares mais voluptuosos, um agudo grito rasgou o ar.
— Tarado! Tarado! — Esbravejava
Claudinha, ou melhor dizendo, Dona Cláudia.
João, sem compreender nada daquilo,
apenas pedia calma, enquanto ia se afastando da louca mulher. Não conseguia
entender o que estava acontecendo.
— Calma Claudinha, foi você quem
ofereceu.
— Claudinha? Me chame de Dona
Cláudia, seu abusa... — parou por um momento —Espere, você disse Claudinha?
— Sim. Foi você quem disse que eu
poderia te chamar assim, estava com uma pia estragada e queria me agradecer.
— Ai meu Deus! — Dizia Dona Cláudia,
enquanto colocava a mão sobre o peito e andava até a sala — Pensei que ela já
tivesse ido embora.
— Ela quem? — perguntava João sem
compreender nada.
— Claudinha, aquela pecaminosa
— Peraí, você não é a Claudinha?
— Sou. Quero dizer, não sou. Ai! É
que eu sofro de dupla personalidade. Uma sou eu, essa pessoa santa, amante dos
bons costumes e boa esposa...
— Boa esposa? — perguntou João
espantado.
— Ai meu Deus!
— Que foi agora?
— Meu marido chega hoje.
— Então melhor eu ir embora.
— Isso. Vá. Vá logo, antes que...
E um barulho de chaves veio do outro
lado da porta, era Romualdo. João viu toda a sua vida passar diante de seus
olhos. Continuava a imaginar aquela roda de amigos da faculdade, mas eles não
estavam mais num bar ou em algum outro lugar animado, tomando cerveja e
comentando as noitadas de cada um. Estavam todos no velório do próprio João,
onde muitos diziam:
—Tão
jovem, tão bom. Pena que morreu cedo.
— Me esconde no armário!!! — Pediu
João desesperado.
— Não! A primeira coisa que ele vai
fazer, é tirar a farda e colocar lá dentro.
— Farda?! Ah! Tanta coisa pra viver,
tanta causa pra ganhar e eu aqui, morrendo moço, sem nem sequer um padre.
— Padre!!! — Exclamou Dona Cláudia.
A porta se abriu. Enquanto o major
entrava, Cláudia pôs-se de joelhos diante de João e quando o distinto membro do exército viu a
cena, foi logo perguntando:
— Mas o que se procede aqui, Cláudia?
— Ah meu bem, que bom que você
chegou. Esse é o padre Júlio, da igreja de São Francisco lá na Itália.
— Padre? Da Itália? — Dizia Romualdo
desconfiado.
— Sim. Eu estava me confessando com
ele. — Respondeu a mulher.
— E desde quando tem de usar baby-dool
pra confessar?
— É que são los pecados de la carne.
— respondeu João.
— Ué padre, o senhor não é italiano?
Quando foi que na Itália o povo começou a falar “los”?
— É que mi padre era italiano, mas
mi madre era espanhola. — dizia João, enquanto soava frio.
Romualdo observou desconfiado e
disse:
— Pois então seu padre, vá perdoando
a minha santa esposa, enquanto eu coloco a minha farda lá no armário, e volto
pra rezarmos um terço, que eu ando precisado.
Enquanto Romualdo entrava para o
quarto, João fingia estar absolvendo Cláudia. Quando já não se tinha mais sinal
do marido, João falou com Cláudia:
— Por que não conta a verdade pra
ele?
— Não iria adiantar, o médico
garantiu para ele que eu estava curada, além disso, Cláudia ou Claudinha, ele
tem um ciúme danado.
— O que eu faço agora? — Perguntou
João.
— Me beije toda! — Respondeu Claudinha,
que havia “voltado”, e começava a se agarrar no jovem rapaz, desabotoando-lhe a
camisa.
— Você de novo?! Tenha modos, seu
marido está em casa. — Falou João, enquanto tentava se livrar da mulher.
— Ótimo, a gente chama ele pra
brincadeira. — Respondia de forma maliciosa.
— Você é louca mesmo. E eu vou
acabar morrendo como um “padre tarado”.
— Padre?! Adoro homem de batina.
— Desse jeito eu vou morrer sua
louca. Seu marido é do Exército.
— Exército?! Eu também adoro homem
de uniforme.
Claudinha deixou o hobby cair, e
conseguia ir retirando a camisa de João, que já não sabia o que fazer, a não
ser reclamar que era jovem demais para morrer.
— Mas o que é isso? — Gritou o Romualdo,
já com a mão preparada para sacar de seu revólver, enquanto via sua mulher
sobre o falso padre — Agora é o senhor que vai confessar padre, e vai falar
direto com São Pedro.
— Corre! — Gritou Dona Cláudia, que
voltara ao “comando”, e que enquanto gritava, pulava sobre o marido.
João tentou fugir pela porta, mas estava trancada.
Restou-lhe tão somente a janela, e por ela, ele saltou. Vinte andares tinha o
Edifício Santa Gertrudes, Dona Cláudia e seu ilustre marido moravam no décimo quarto. O fato é que por sorte, ou
por ironia do destino, João também sofria de dupla personalidade, e não é que a
outra era pas

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