Singela




Há muito, num dia esquecido destes de outono, quando o frio nos anuncia a necessidade de um abraço para os dias que virão, aconteceu, ou não, em uma casa na famosa rua Sete de Setembro, na cidade mineira das rosas, um conto engraçado e, talvez, um tanto encantado. Um destes contos de amor que acontecem quando o Cupido acorda de bom humor e disposto a prestar bons serviços aos corações avulsos que perambulam sonhadores por aí.
                Ela, leitora assídua de bons romances e ele, vendedor andante de algodão doce, com sua pequena sineta berrante, que anunciava a sua chegada para a criançada.  Todos os dias, ela esperava na janela por um príncipe, como aqueles que já não se fazem ou nunca de fizeram, na realidade. Esperava e contava os chapéus que passavam por baixo de sua janela, jovens senhores e senhores já não tão jovens, uns a olharem para cima e outros para baixo e muitos a não repararem em sua janela. Todos os dias, ele passava por ali, com suas nuvens coloridas de açúcar, de andar despreocupado, que mais parecia seguir na cadência de um bom sambinha carioca, sorrindo para as moças, agradecendo as crianças que compravam sua iguaria e conversando com alguns cães, que vez por outra, começavam a segui-lo naquela descida barbacenense.
                E naquela segunda-feira, as maquinações do destino se fizeram presentes. Ela resolvera olhar pela janela quando ouvira aquela sineta, uma súbita vontade de degustar um doce tão singelo. Um aceno simples convidou o vendedor até a sua janela, e ele, embora simples nas letras, não pode deixar de reparar o livro de poesias que pendia ao lado da moça, enquanto ela escolhia a cor do seu algodão. A voz suave dela, misturada ao seu sorriso, cativaram os olhares do rapaz, aliás, os olhos dele enfeitiçaram a moça, e quando ela lhe entregou as moedas, e a ponta de seus dedos tocaram a palma da mão dele, um novo big bang se formava, uma explosão de sentimentos, de aromas e sensações.
                — Atílio. — Disse ele em lugar do costumeiro agradecimento.
                — Ofélia — Ela respondeu inconscientemente.
                Após uma longa troca de olhares e um daqueles sorrisos que surgem no canto dos lábios e contagiam todo o rosto, a janela dela se fechou e ele, seguiu a descida da rua da independência. Mas o coração dela nunca estivera tão acelerado e sereno e a sineta dele, nunca badalara tão docemente. O dia fora o mais lindo possível, só perdeu para o pôr-do-sol da terça-feira, quando o mundo foi contagiado pela beleza do beijo roubado, dele nela. O final desta história não existe, por que não há final nas belas histórias de amor, só começos e recomeços a cada reapaixonar. E isso foi lá, na louca cidade das rosas.

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