O Mistério do Serpente Negra - Ato I
ATO I
Era
a manhã do primeiro dia de inverno, a garoa leve e gelada envolvia toda a
cidade de São Ângelo, mas não foi capaz de evitar a aglomeração de pessoas que
se encontravam na Praça Dom Pedro, a principal e mais famosa da cidade. Todas
aquelas dezenas de pessoas esperavam ansiosas pela inauguração do monumento
dedicado aos alicerces culturais da cidade, uma homenagem aos tantos artistas
que a cidade produzira e pelos feitos intermináveis dos mesmos.
—
Caros amigos e cidadãos de São Ângelo, é com imensa alegria que presenteio
nossa cidade com esta obra em aço e concreto, que significa muito mais que uma
mera escultura. Ela significa a estima e a consideração que temos pelos nossos
poetas, escritores, músicos e tantos artistas que fizeram de nosso município um
berço de pensadores e peça fundamental para a formação e difusão da cultura em
território nacional. — Bradava euforicamente o prefeito de São Ângelo, Arthur
Singoria, uma figura imponente e magra, com seus cabelos brancos penteados de
lado. — Senhoras e senhores, sem mais delongas, entrego a todos o Marco dos
Pensadores, a representação concreta da vida e cotidianos de nossa amada
cidade.
O pano branco que ocultava as formas
da arquitetura foi retirado pelos funcionários da prefeitura, contudo, as
esperadas salvas de palmas deram espaços para um grito agudo de terror e
expressões de pânico e pavor. O corpo nu e ensanguentado de uma mulher loira jazia
aos pés do Marco dos Pensadores, e em seu peito a assinatura do criminoso: uma
adaga com uma serpente negra encrustada no cabo e olhos de rubi.
Diante da cena, logo a imprensa,
assim como todos os ali presentes, se esqueceu do evento e passou a questionar
o prefeito sobre a quinta vítima do assassino em série intitulado pelos meios
de comunicação como o Serpente Negra. Era a quinta mulher loira encontrada do
mesmo modo, nua e com a adaga cravada no peito oco, de onde o coração havia
sido arrancado.
— Calma senhores, ainda não podemos
dizer se trata-se de mais um crime cometido pelo Serpente Negra. — O assessor
de imprensa da prefeitura, Roberto Branco, tomara o lugar do prefeito ao
microfone, enquanto o governante da cidade tentava sair sorrateiramente.
— Hora convenhamos Roberto! Não
precisa ser perito para saber que trata-se de mais uma vítima do assassino em
série que vem assolando nossa cidade! Contudo, nosso querido prefeito disse na
semana passada, enquanto fazia sua pré-campanha a reeleição, que a polícia já
estava cercando o criminoso e que era questão de tempo até que São Ângelo
ficasse livre deste louco. Mas ao que parece, o cerco está furado. — Falou um
homem de voz grave, com o seu típico e já conhecido blazer marrom envelhecido e
a calça jeans surrada.
— Senhor Vlad, não queremos espalhar
o pânico! — Respondeu o assessor ao homem.
— E nem precisam, o Serpente Negra
já está conseguindo isso sozinho, e muito bem por sinal. — Retrucou o repórter
do Tribuna Democrata, enquanto ajeitava a gravata torta e em seguida, passava
as mãos pelos cabelos escuros, buscando em vão arrumá-los.
Houveram
alguns risos, mas a maioria das pessoas estava séria e queriam um
posicionamento eficiente do assessor que pedia calma a todos e dizia que a
polícia já estava à caminho. Vlad então, como alguns outros repórteres, se
aproximou do corpo e constatou o óbvio, que o coração da vítima havia sido
arrancado, assim como o das outras mulheres assassinadas pelo Serpente Negra.
Olhou em volta, buscando alguma pista, mas o assassino era sempre muito
meticuloso e detalhista, tomando sempre muito cuidado para não deixar nenhuma
pista ou rastro que pudessem levar até ele. Na vítima, o repórter pode reparar
marcas nos pulsos que pareciam de cordas, o que significava que ela havia sido
amarrada em algum lugar, mas não aparentava sinais de tortura.
—
Mais uma vez se intrometendo nos trabalhos da polícia, senhor Vladimir Correia?
— Disse o Delegado Faria ao repórter.
— Ora Delegado, como é bom ver sua
cara feia por aqui! Pena que o cenário não seja o dos melhores.
— Mais uma dessas e te prendo por
desacato. — Enfureceu-se o delegado, que enquanto tirava os óculos escuros do
rosto fazia sinal para que seus homens isolassem a área. — Agora saia daqui,
pois esta é uma área policial.
— Sem problemas, Faria. Vou levar o
material para o meu chefe, até por que, temos que esperar o resultado da
perícia, não é verdade?
—Temos? E quem disse que o senhor
terá o resultado dessa perícia?
— Pelo que eu posso constatar,
apenas o senhor disse que eu não o terei. — Vlad apensas sorriu de um modo
sarcástico para o delegado e saiu. Seguiu até o seu velho Opala azul metálico,
ano 85. Não era o melhor dos carros, mas era uma herança de família, um
presente de seu falecido pai. Um veículo conservado, com um estofado branco
novo, motor original assim como o painel, no retrovisor estava um terço de
madeira, um adesivo da Força Expedicionária Brasileira na parte superior do
lado esquerdo do parabrisa e no rádio um CD tocava velhas canções de Tom Jobim.
Logo, ele tomou a rua do Ouvidor e seguiu em direção ao Tribuna Democrata, o
jornal de maior credibilidade de São Ângelo e uma das mídias mais renomadas do País.
— Nem precisa começar, já estou
ciente de tudo, não se fala em outra coisa nas redes sociais. — Disse Rodolfo
Alvarenga, editor-chefe do Tribuna, assim que Vlad cruzou a porta de sua sala.
— Essas redes sociais acabaram com
os furos jornalísticos, aliás, se continuar deste jeito essa será uma profissão
em extinção.
— Chega de drama Vlad, muitos podem
dar notícias, mas nem todas são verdadeiras ou detalhadas, então, faça seu
trabalho direitinho que eu garanto que nenhum museu irá expor sua carcaça na
seção de extintos. Então, conte-me algo que as redes sociais não tenham dito. —
Rodolfo recostava-se na bela cadeira de courino marrom e, com os cotovelos
sobre a mesa e as mãos cruzadas apoiando seu pontudo queixo, olhou o repórter
atentamente esperando as informações de Vlad sobre os acontecimentos da Praça
Dom Pedro.
— Mulher loira, nua, com uma adaga
de serpente cravada no peito que, de primeiro momento, aparenta estar sem o
coração. E, ao que tudo indica, trata-se mais uma vítima do Serpente Negra. Sem
o resultado da autópsia não dá pra dizer mais nada.
— É verdade o que dizem? — Perguntou
Rodolfo — Ele arranca o coração delas enquanto ainda estão vivas?
— Segundo o pessoal da autópsia,
sim. O mais temido assassino em série de São Ângelo parece ser, sobretudo, um
homem cruel e muito cauteloso. Ninguém o vê. Nem mesmo um vulto. Ninguém sabe
nada sobre ele, a não ser o seu padrão de vítimas: mulheres lioras. Aliás, isso
já vem influenciando no cotidiano da cidade, descobri que o número de loiras mudando
as cores dos cabelos nos salões e cabeleireiros aumentaram em 25%.
— As pessoas estão com medo.
— E não é para estar?
— Bem, a história do Serpente Negra
é sua. Fique por conta disso, use seus contatos na polícia ou em qualquer outro
lugar, mas descubra a identidade dessa moça.
— Sim, sim. Vou ir até a Central e
consultar a sessão de pessoas desaparecidas, ela deve ser uma das mais
recentes.
Como um louco, e sendo contido em
vão pela secretária de Rodolfo, um rapaz entrou no escritório, exigindo aos
gritos ser atendido pelo editor-chefe ou pelo dono do jornal. Era um jovem de
aproximadamente vinte e três anos, magro, de estatura média e muito bem
vestido.
— Por favor, eu preciso que alguém
me ouça, meu pai... Ele não morreu, ele foi assassinado, talvez pelo Serpente
Negra, não sei!
— Me perdoe, senhor Rodolfo, eu
tentei contê-lo, mas ele está ensandecido. — Anita, a jovem e bela secretária
do editor se justificou, ainda puxando o rapaz pelo braço, buscando em vão
retirá-lo da sala.
— E você quem é? — O editor fez
sinal para que a moça se afastasse do rapaz e, observando atentamente ao seu
invasor, assim como o fazia Vlad, resolveu escutar o que o jovem tinha a dizer.
— Luís Emídio, filho de Pierre Luís,
o escritor. — Respondeu, ainda eufórico.
— O premiado escritor? O que morreu
semana passada de complicações cardíacas? — Questionou Vladimir.
— Ele não morreu, ele foi
assassinado! É isso que estou tentando dizer a vocês, a polícia não me ouve,
diz que a autópsia já constatou infarto, mas sei que meu pai foi morto, ele
estava investigando esse assassino, suspeitava de um homem... — Luís dizia,
tentando convencer os repórteres de sua história.
— Me parece mais uma Teoria da Conspiração.
— O jornalista do paletó marrom opinou, mas foi fuzilado pelo olhar de seu
chefe.
— Tem alguma evidência que possa
comprovar o que diz rapaz? — Rodolfo não era um homem de acreditar em tudo que
ouvia, mas também não duvidava de imediato, ele sempre averiguava os fatos
antes de tomar qualquer conclusão, e naquele caso não seria diferente.
— As anotações de meu pai, estão
todas sobre a mesa dele, da mesma forma que eu as encontrei.
— Vlad poderia ver essas anotações?
— Eu? Mas... — O repórter tentou
protestar, mas foi interrompido por Rodolfo, que repetiu a pergunta ao jovem
Luís.
— Então, ele pode ver essas
anotações?
— Claro! — O rapaz estava espantado,
talvez por finalmente encontrar alguém que acreditasse nele ou que, pelo menos,
lhe desse o benefício da dúvida. — Podemos ir agora, meu carro está lá embaixo.
Vlad olhou Rodolfo nos olhos, com ar
de reprovação, balançou a cabeça negativamente enquanto desviava o olhar pro
chão e dava um suspiro curto e, saindo a passos largos, falou para o jovem.
— Não temos o dia todo! Tudo o que o
mestre mandar, faremos todos... Vamos garoto.
Rodolfo observou enquanto Luís
seguia Vlad pelo corredor, em direção ao elevador.
— Acredita nele? — Anita, que havia
presenciado todo aquele diálogo na sala do chefe, perguntou.
— Acredito no Vlad. — Respondeu de
forma convicta.
*Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes ou fatos da realidade é pura coincidência.

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