O Mistério do Serpente Negra - Ato III
Rua João Paulo I, nº373, o consultório do tal cardiologista
fazia parte de uma clínica onde atuavam renomados médicos, muitos, aliás,
frequentadores das altas rodas sociais da cidade.
Conseguir uma consulta rápida com um
médico, nunca foi fácil para Vlad, ainda mais quando ele não tinha um plano de
saúde. Enquanto estava no carro, ligou para o consultório e tentou, em vão, uma
consulta para aquele dia. O fato é que ele tinha de ser mais rápido que o Delegado
Faria, e para isso, resolveu que utilizaria de uma artimanha para cortar a fila
de atendimento do tal doutor. Ao entrar no elevador, o repórter levou consigo
um copo plástico de água, que havia comprado em uma padaria e uma pastilha
efervescente. No corredor que dava acesso ao consultório, aproveitou que estava
só, molhou os cabelos, o rosto e o peito, umedecendo também a camisa, da qual
desabotoou os dois primeiros botões superiores, saiu se escorando na parede e,
ao ficar à porta da ante-sala de Mauro, levou a mão no rosto, colocando despistadamente
a pastilha na boca. Entrou, caindo sobre a mesa da secretária, espumando pela
boca e com a mão sobre o peito, pedindo ajuda à recepcionista que se
desesperava diante daquela situação. A moça correu para chamar o médico,
invadindo o seu consultório sem pedir licença, enquanto os outros pacientes se
desesperavam.
Vlad viu então um homem negro,
aparentando ter um 65 anos, calvo no alto da cabeça e vestido de branco
debruçando-se sobre ele e inicialmente, procurando conter alguma convulsão.
Cuspindo a espuma de sua boca, e limpando-a com a manga da camisa, o repórter sorriu, surpreendendo o médico que
ficou pasmo diante da situação.
— Doutor Mauro, eu preciso de
respostas. — Falou.
A secretária soltou um palavrão,
enquanto o médico se erguia furioso e dizia à Vlad:
— Que espécie de brincadeira é essa?
O que o senhor pensa que está fazendo?
O repórter se levantava e abotoava a
camisa sorrindo.
— Também prefiro outro tipo de
brincadeira, doutor, mais precisamente a do "eu pergunto, você
responde". Muito prazer, Vladimir Correia do Tribuna Democrata. — Disse,
estendendo a mão para o velho doutor, que de maneira alguma se mostrou
recíproco ao movimento.
— Eu vou chamar a segurança! — A
secretária interrompeu.
— Bem, você pode fazer isso, ou o
nosso amigo doutor pode me receber para me falar um pouco sobre a sua relação
com Pierre Luís, o escritor supostamente assassinado.
— Luís, o filho dele, te procurou,
não foi? Aquele menino é louco, precisa de ajuda. Aliás, precisa mesmo, se
envolvendo com loucos como o senhor. Não tenho nada a dizer sobre Pierre. — E
virando-se para sua secretária, continuou — Chame a segurança, Aline. Não quero
mais ver este homem aqui!
— Bem, seus funcionários podem me
retirar daqui ou o senhor pode falar sobre Dalila Aguiar.
O médico e a sua funcionária se
entreolharam, o que não passou despercebido por Vlad.
— Nunca ouvi falar esse nome! Agora
saia de meu consultório imediatamente e eu ignoro essa sua criancice que o
senhor cometeu. — O médico deu as costas ao repórter e voltou para a sua sala.
Vlad apenas olhou para a secretária com
olhos de águia, balançou a cabeça positivamente virou-se para os demais
pacientes que não entendiam nada do que estava acontecendo
— Acho que vou procurar um médico
pelo SUS, pessoal! — E saiu com um meio sorriso, sabendo que a polícia não
tardaria a chegar, Vlad sentia que a tal Aline poderia ter muito a dizer sobre
a última vítima do Serpente Negra. Saiu, sem esperar a chegada dos seguranças
e, por pouco, não esbarrou com o delegado Faria no corredor, ele subiu por um
elevador, enquanto o repórter desceu por outro. Na rua, do lado de fora do
prédio, ligou novamente para o consultório de Mauro, disfarçando a voz e
perguntando à secretária, qual era o horário de funcionamento, tendo obtido a
resposta, desligou.
Ainda na entrada do prédio, logo
após guardar o aparelho, Vlad teve de pegá-lo novamente, isso por que Helena
ligava para o repórter. Helena de Farinas era um romance que o Vlad jurava não
ser nada de mais sério, embora ele já conhecesse toda a família dela e
vice-versa, além de já estarem juntos há quase dois anos. A moça ligou, pedindo
para que ele a buscasse, pois acabava de sair do salão de beleza e dizia ter
mudado o visual. Vlad insistia que não poderia encontrá-la, que estava ocupado
com um caso. Mas ela insistiu, e ele teve que ceder.
Helena era uma mulher sedutora, de
cabelos compridos e muito negros, olhos verdes e pele morena, era filha de
Olavo de Farinas, um rico dono de frigoríficos e abatedouros do País. Vlad a
conhecera durante uma reportagem sobre corridas de cavalos e os dois acabaram
se envolvendo em uma noite que já perdurava por vários meses. O repórter
realmente gostava dela, mas muitos diziam que ele só queria dar o golpe do baú,
e por isso, por não gostar dos boatos, é que às vezes Vlad era tão frio com
Helena.
Mal parou o carro e o repórter não
podia acreditar no que via. Helena pintara seus cabelos de louro e assim que
entrou no clássico Opala azul, Vlad gritou com a moça, sem medir o tom da voz:
— Você é louca? Não sabe que há um
maníaco na cidade, assassinando loiras?
Helena sorriu e respondeu:
— Olha, preocupado comigo, quem
diria? — Falou em tom irônico — Por isso mesmo meu querido, ser loira está na
moda. Donzela em perigo, meu amor.
— Só me faltava essa. Já não chega
ter as contas do mês para me preocupar, agora vou ter que esquentar a cabeça
com você, Helena? Seu pai sabe disso?
— Desde que fiz dezoito anos, meu
pai já não me diz o que devo ou não fazer, principalmente sobre o meu visual. E
olha, você é muito romântico Vlad, apenas me criticando. Pois saiba que um homem,
bem bonito me elogiou muito no salão, depois que viu meus fios dourados. Um
homem sensível e observador, diferente de você.
— Um homem louco, você quer dizer! —
O repórter não sabia se a frase era de protesto, ciúmes ou uma mescla dos dois.
— Um homem importante, o assessor do
prefeito, Roberto Branco.
— De todos os imbecis do mundo, você
tinha de receber elogios do maior de todos? Francamente, Helena! Não vou me
preocupar com Roberto Branco, aliás, não vou me preocupar com você! Se quer
tanto assim ficar na mira de um psicopata, que seja, mas não espere que eu
chore sobre o seu caixão.
— Então eu deveria esperar que o
grande Vlad chorasse por mim? Que honra.
E enquanto Helena terminava dando um
risinho de deboche, o repórter apenas fechava as feições, demonstrando sua
nítida insatisfação com as atitudes da namorada. Mas silêncio e discrição nunca
foram marcas da filha de Olavo Farinas, e como se a conversa anterior nunca
houvesse acontecido, a moça puxou assunto sobre o mais recente crime que
chocara a cidade.
— Então, você a viu? — Perguntou.
— Quem? — Vlad apenas devolveu o
questionamento.
— Ora, a moça! Aquela assassinada
pelo Serpente Negra.
— Sim. — Respondeu secamente.
— Só isso? Sim? E ela estava sem o
coração?
— Sim. — Repetiu a palavra no mesmo
tom, sem tirar os olhos da direção.
— E era bonita?
— Você não vai sentir ciúmes de uma
vítima de assassinato, não é Helena! Por favor!
— Ora, não se dê tanto valor, meu
querido. Apenas fiquei curiosa, ninguém escreve essas coisas nos jornais, não é
mesmo? E então, ela era bonita?
— Um pouco.
— Um pouco quanto?
Vlad suspirou, não estava suportando
aquele interrogatório e por isso acelerou com o carro, a fim de chegar o mais
rápido possível ao seu destino. Os dois foram até o Bistrô Verde, um
restaurante vegetariano que Helena adorava frequentar, principalmente nos dias
em que se sentia mais gorda, embora as opiniões de seu namorado sempre fossem
contrárias a tal situação. A moça ainda tentou arrancar alguma coisa do
repórter, sobre as investigações do caso Serpente Negra, mas foi em vão, sempre
que o assunto voltava à tona, Vlad se tornava monossilábico, não queria falar
sobre aquilo com ninguém, principalmente com ela e aquela mania de desafiar de
forma estúpida o perigo.

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