O Mistério do Serpente Negra - Ato IV




Após deixar a namorada em casa, o repórter retornou para o Tribuna, onde relatou os acontecimentos na casa de Pierre Luís e no consultório de Mauro Élido.
— Então nosso rapaz pode estar certo sobre a morte do pai dele? — O editor questionou.
— Não sei... Pode ser que Pierre se referisse aos crimes do Serpente Negra naquelas cartas, mas pode ser coincidência apenas, o fato é que a polícia esteve no consultório de Mauro Élido levado por alguma pista que o ligava ao fato.
— E o que você acha?
— O médico não pareceu se importar muito em ouvir o nome de seu amigo escritor, mas quando citei o nome de Dalila Aguiar, senti um certo receio compartilhado por ele e pela secretária.
Ricardo Mitra, o jovem estagiário do Tribuna Democrata interrompeu a conversa de Vlad com seu chefe. O rapaz, que mais parecia um cantor sertanejo juvenil, trazia consigo os documentos que o repórter havia solicitado, todas as informações possíveis sobre Dalila Aguiar.
— Ei, Vlad! Aqui estão as informações da moça, que você me pediu, mas já vou logo te dando a dica, conheço umas mais baratas. — Disse Ricardo, entregando o envelope para Vladimir.
O repórter e o editor se entreolharam, Vlad não havia contado à Ricardo de quem se tratava a ficha, apenas a solicitara sem maiores especificações.
— Como assim, mais barata? — Indagou o editor.
— Mais barata, ué?! Ela é uma garota de programa, na verdade, uma dessas acompanhantes de luxo. Eu e uns amigos a contratamos uma vez, para animar uma despedida de solteiro. Vocês sabem, um striptease.
— Então quer dizer que Dalila é uma acompanhante? — Vlad falou em voz alta.
— Sim, não era pra isso que vocês a queriam? — O rapaz estava perdido.
— Mas aqui consta que ela era garçonete. — O repórter questionou, enquanto folheava a ficha.
— O título de restaurante é fachada. — Ricardo respondeu — Não é bem a picanha que faz sucesso lá, você me entende?! A dona do lugar lucra com os programas das meninas.
— Tenho algumas horas antes do consultório de Mauro fechar, quero falar com a secretária dele. Acho que vou aproveitar o momento para fazer uma visitinha ao BullesRouges. — Vlad falou, com malícia e deboche nas palavras.
— Posso fazer essa pesquisa de campo com você... — O jovem falou mesclando malícia e falsa inocência em sua voz.
— Não será preciso, já sou grandinho para essas coisas, além do mais, preciso que você descubra tudo o que conseguir sobre um certo cubano. — O repórter falou ao estagiário — O nome dele é Pedro Ruiz, ligue para Luís Emídio, o número está sobre a minha mesa, em um papel amarelo, e peça o endereço das cartas que Pierre Luís trocava com o sujeito. Se há alguém que pode decifrar os conteúdos daquelas correspondências, esse alguém é este sujeito.
Vladimir Correia não demorou a sair, seguindo em seu Opala azul metálico até o BullesRouges. O lugar era uma boate bem estruturada e em nada deixava transparecer o que se passava ali na realidade. As atendentes estavam muito bem vestidas, de uma maneira elegante e sensual e o local tinha em sua fachada o nome de BullesRouges, ou Borbulhas Vermelhas, em bom português. O estabelecimento era bem fequentado sendo a maior parte de seus clientes homens.
Vladimir sentou-se em uma das mesas com toalha de seda vermelha, vindo a ser atendido por uma garçonete, vestida com um espartilho branco, mini saia preta e uma meia calça da mesma cor, no pescoço descoberto pelos cabelos dourados presos em coque, apenas uma gravata borboleta grená.
— Boa tarde senhor, opções do cardápio? — Ela perguntou de maneira simpática.
— E temos opções fora do cardápio? — Ele questionou também de maneira simpática.
— Vai depender do que o senhor procura. — Havia uma certa malícia em sua resposta.
— Dalila Aguiar. — Falou sem rodeios.
— Ah! Um cliente da Petit Blonde. — Disse satisfeita.
— Petit Blonde?
— Sim, meu senhor. Não usamos nomes verdadeiros aqui, isso mantém o ar de mistério. Mas PetiteBlonde não apareceu, deve estar atendendo algum cliente em especial, contudo, há outras opções...
— Não, Petit Blonde não voltará hoje, nem em nenhum outro dia.
— Como? — Pela primeira vez a moça perdia o ar sedutor.
— Sinto muito, querida, mas Dalila foi vítima do Serpente Negra, encontraram seu corpo esta manhã, aos pés do Marco dos Pensadores. Preciso falar com sua chefe.
Os olhos da garçonete se arregalaram, incrédulos e espantados, a bandeja vazia que carregava consigo foi ao chão e as mãos cobriram o seu rosto de espanto. Vlad levantou-se rapidamente para apoiar a moça, que estremecia em pernas bambas, o repórter lhe puxou uma cadeira e já sentada, era possível ver as lágrimas que rolavam de seu rosto. Outra garçonete se aproximou, mesmos trajes, mas corte de cabelo e cor da pele diferentes, era uma bela negra, de lábios carnudos e com um cabelo com um corte mais curto, um pouco masculino, vendo o estado da colega de trabalho e tomando ciência do assunto que abalara tanto a loira, a funcionária não tardou a chamar pela dona do lugar, Madame Blanche.
Uma senhora, gorda, de curtos cabelos anelados muito bem pintados de preto, extremamente bem vestida em seda vermelha surgiu em frente a Vlad minutos depois, ela havia descido as escadas que levavam ao andar superior, onde ficava a sua residência. Embora o lugar fosse um prostibulo, no termo mais simples, as meninas não atendiam seus clientes ali, era regra da casa que eles tivessem condições de levar as moças para um hotel ou outro local mais reservado.
— Senhor! — Ela se dirigiu ao repórter — Creio que ainda não fomos apresentados. — Ela estendia a mão para que Vlad, em um gesto de cavalheirismo a beijasse. Parecia firme, pelo menos mais firme que a sua funcionária sentada em prantos na cadeira.
— Vladimir Correia, do Tribuna Democrata, mas pode me chamar de Vlad. — Respondeu.
— Pois bem senhor Vlad, Perle Noire fará companhia à nossa pequena Désir D'or, até que ela se recupere da notícia. — A velha senhora fez sinal para que a garçonete que a chamara, fizesse companhia àquela que se encontrava sentada à mesa do repórter, logo em seguida, pediu que Vlad a acompanhasse até um escritório, localizado atrás do bar.
Sentados em um luxuoso sofá vermelho, Madame Blanche servia-se um licor que se encontrava em um móvel ao lado de seu assento. Vlad, por sua vez, recusou a bebida, mas disse que aceitaria um café, a dona do estabelecimento então, através de um antigo telefone preto, fez o pedido a uma de suas funcionárias, que não tardaria a trazer a bebida.
— Pois bem, senhor Vlad, sem mais delongas, Dalila, ma Petit Blonde, está morta, é isso que eu entendi? — A mulher não parecia abalada.
— Sinto dizer que sim.
— Não se assuste se eu não chorar. — Falou após tomar um trago de licor, esvaziando o copo e se preparando para servir mais uma dose — Minha vida não me deu ao luxo de ser uma pessoa sensível, pelo menos não na frente dos outros.
— Acho que posso entender...
— Pardonnez-moi, mas não me importa se você entender ou não, o que me importa agora é responder às suas perguntas. Então vamos a elas: Sim, Dalila trabalhou ontem. Sim, ela saiu para atender um cliente. Não, eu não posso dizer quem é esse cliente.
— Bem, acho que seria um resumo das minhas perguntas... Mas, suas garotas estão correndo perigo. — Falou, tentando convencer Madame Blanche a revelar a agenda da vítima do Serpente Negra.
— As loiras correm perigo, senhor Vlad. Hoje mesmo todas mes belles blondes, irão tingir seus fios para tons mais escuros. Todos os fios, não quero ceder mais nenhuma de minhas meninas a este terrible assassino.
— Se não quer que o Serpente Negra faça mais vítimas, então por que não revela quem foi o cliente de Dalila? — O repórter deslizou pelo sofá, se aproximando mais da dona do estabelecimento.
— Simples, nosso cliente pode ter sido o assassino, como também pode não ter sido. Ele é o suspeito apenas pelo fato de ter estado com Petit Blonde em um encontro casual, mas ele pode não ter sido o último a estar com ela. Minhas meninas saem acompanhadas daqui, senhor Vlad, mas sempre voltam sozinhas. Se eu revelar o nome de um dos nossos clientes, isso pode ser ruim para os negócios. — Disse, em meio a mais uma dose de licor.
— Uma menina morta já é ruim o suficiente para seus negócios, não acha? — O repórter não conseguia acreditar  no que ouvia.
Enquanto a porta se abria, revelando uma das garçonetes que trazia o café do repórter, Madame Blanche apenas sorriu, como que debochando da pergunta de Vlad.
— Moncher, achei que repórteres investigativos fossem como aqueles dos filmes, que não desistem de nada. Eu mal lhe apresento um obstáculo e o senhor já faz seu discurso de derrotado, apelativo? Pois bem, essa é Belle Brune, eu só preciso ir até o bar, buscar outra garrafa de licor, e já retorno, a moça lhe fará companhia. — Madame Blanche se levantou do sofá, levando consigo a garrafa de licor que, na realidade, estava pela metade.
Quando a porta da sala se fechou, Vlad encarou a bela morena que lhe acompanhava, ela deu uma lenta piscada com os olhos, virou a cabeça para porta e logo em seguida se dirigiu à escrivaninha de sua patroa.
— Madame guarda segredos, e também sabe como fazer os dela. — E abrindo uma gaveta, retirou uma agenda onde havia um pequeno papel colado com fita adesiva e escrito Petit Blonde. — Pode não parecer, mas ela zela por nós. — E copiando um nome em um outro pedaço de papel, o entregou à Vlad. — Madame nunca revela nomes, mas sabe como fazê-los ser revelados. Agora saia, senhor, Madame espera não revê-lo, não por enquanto.
Vladimir saiu, sem sequer ver a sombra de Madame Blanche e sem entender onde a dona do estabelecimento conseguiu tempo para combinar com sua funcionária sobre como revelar o nome do cliente de Dalila. Talvez tivesse sido quando a outra, a tal Perle Noire subiu para avisá-la de sua presença. Mas aquilo não importava, o que importava agora, era o nome no papel: Marcos Ávila Elias, o vice-prefeito.

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