Memórias da Estação - Columba livia




Cheguei na plataforma, pontualmente no horário em que sempre chego, uma hora antes do trem chegar com seus encontros e desencontros. Sentei-me no sétimo banco e com o jornal do dia em minhas mãos, comecei a desbravar as notícias que ali estavam impressas.
Na minha frente, contudo, a figura de um homem sem um dos braços me chamou a atenção, era um sujeito maltrapilho, vestido em andrajos, que carregava consigo um imenso saco de pano cru, repleto de velharias. Sentado bem na plataforma, o homem tinha ainda um pequeno saco de pipocas, com as quais se deliciava. Oras, não tive inveja de seu pequeno provimento de milhos estourados, tive pequena inveja do que viria depois.
Enquanto eu cá, lia meu jornal preocupado com as coisas do mundo, o homem que não tinha nada além da sorte, jogava uma de suas pipocas para o chão, afim de alimentar um dos pombos da gare. Até aí, normal, acreditava eu, mas o homem soluçava em risadas ao ver o pombo ser roubado por pardais.
Para cada milho estourado que o homem jogava, o pombo, feito bobo e rei de uma lerdeza sem fim, deixava que um dos pequenos passarinhos o surrupiasse. A Columba livia até esboçava uma perseguição ao trombadinha alado, mas nem mesmo saia do chão em perseguição ao seu bandido.
Aquela cena que seria tão comum ou inexpressiva para a maioria do mundo, roubou gargalhadas do homem, e de mim chamou a atenção. Oras, aquele ocorrido era uma pequena patota e também um fato cômico, coisa simples que somente olhos simples conseguiriam contemplar, uma pequena riqueza da vida. Roubou-me risos, não o dilema do pombo, mas a felicidade do homem, que tinha tudo para maldizer o mundo, mas preferia olhar com admiração os pequenos fatos da vida.
O trem não tardou a chegar, não trazendo quem eu esperava e levando consigo aquele personagem que tanto me chamou a atenção. Quando a máquina de ferro deixou a estação, eu segui em direção contrária, satisfeito por entender que a vida é mais alegria do que tristeza, isso depende apenas dos olhos que usamos.

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