Memórias da Estação - Criancismo



Cheguei na estação, como de costume, no mesmo horário, mas desta vez meus olhos encontraram bem mais que o cenário habitual. Estavam colados nas paredes, como quadros de uma importante galeria de artes, folhas de papel diversas, todas com desenhos pueris e sem realismo nos traços, coloridas a lápis.
O estilo não era cubista, expressionista, fauvismo ou futurismo, aliás, não era nenhum destes "ismos" que encontramos pela história. Se fosse para dar algum nome àquele estilo, poderia chamar de "crancismo", dado ao aspecto infantil de cada obra. 
Nenhum dos desenhos ali pendurados com fita adesiva possuía um guia ou uma explicação, era uma vernissage desproposital, mas que me roubou a curiosidade. Em cada folha uma história diferente, havia uma mulher cujo tronco do corpo era um triângulo rosa; uma família cujos braços se amarravam em laços; um cachorro com pintas amarelas e uma flor com pétalas de todas as cores. Havia um desenho da estação, com o trem chegando ao fundo e a fumaça em formato de nuvens no céu.
E não é, que mesmo que sem querer, cada desenho ali me fazia lembrar de algo ou alguém. A infância que vivia cada desenho ali representado, e que resolvera em um ato pensado ou não de se expressar, fez brotar em  mim lembranças de minha época de pequenino. As brincadeiras, os brinquedos, as pessoas e personagens inesquecíveis, os abraços, os dias de chuva, sol e de sol com chuva ou vice-versa.
Contemplei cada folha com um olhar crítico, não sobre a qualidade da arte, mas sobre a realidade da vida, da minha vida e de tudo o que já acontecera comigo. Não houve tempo para meu jornal e, nem mesmo, para me sentar no meu banco costumeiro e, ao ver que o zelador retirava as "obras" alegando traquinagem de crianças, resolvi eu mesmo recolher aqueles desenhos e guardá-los como se fossem meus de fato.
O trem de ferro veio sem me trazer quem eu esperava, mas fui para casa repleto de lembranças que adorei visitar.

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