Memórias da Estação - Vermelho
Sentei-me em meu banco de praxe, aguardando o próximo trem, na esperança que o mesmo, daquela vez, me trouxesse quem eu sempre esperava. E se de praxe eu estava em meu banco, de praxe também eu estava minutos adiantado à chegada da máquina de fumaça e ferro.
Meus olhos, que passeavam pelo jornal em busca de notícias do cotidiano, foram atraídos, como se magnetizados, por um balançar de saia que por mim passou, e antes que me julguem estar a observar cintura alheia, foram os cabelos vermelhos que realmente me atraíram.
Há quantos dias, meses e horas eu não aguardava o retornar de cabelos da mesma tonalidade, ali mesmo, naquela estação? Cabelos que, como o sol, iluminariam meu dia e que como vermelhos, me deixariam rubro em uma mistura de alegria, ansiedade, euforia e alívio. Só Deus sabe como desejei que aquelas madeixas fossem tuas, mas não eram.
Dobrei meu jornal e fiquei a acompanhar com os olhos aquela moça que seguia pela plataforma e me permiti imaginá-la como se fosse quem eu tanto esperava sempre encontrar por ali. Suspirei e lembrei do perfume dos cabelos que eu tanto queria sentir roçar em minha face, me perdi em meu pequeno sonho e por um breve instante tive comigo quem eu há tanto esperava.
Memórias do olfato, do tato, da visão, do paladar, da audição, da intuição, dos fatos e memórias da alma. Lembranças tuas e que na velocidade de um piscar de olhos me visitaram. E embora eu relutasse, a visão daqueles rubros cabelos me levaram ao pior resultado da memória: a saudade.
Como seria magnífico se aquele balançar de saia fosse causado por tuas pernas caminhando em minha direção. Como seria belo para mim, receber o caloroso abraço que há tanto esperava e aguardava naquele banco frio. Como seria minha vida, se você enfim tivesse chegado.
Estranho como detalhes, como um cabelo vermelho, pode trazer tanta coisa à nossa memória. Foram cabelos vermelhos que balançaram para mim quando te vi subir no trem, rumo a um destino qualquer e deixando de bagagem esquecida na plataforma, o meu coração. Eram os seus cabelos vermelhos que se destacavam em uma das tantas pequenas janelas daquela Maria Fumaça, a última imagem emoldurada que guardo de teus olhos e que me visitam sempre que penso no seu retorno.
A moça, dona dos cabelos vermelhos que me lembraram os seus, seguiu o seu caminho por entre os corredores da estação. Eu, por minha vez, aguardei a chegada do trem na plataforma 29, do vagão ninguém com os cabelos das cores dos teus desceu e, mais uma vez, com meu jornal dobrado debaixo do braço e o chapéu me protegendo do sol, voltei para minha casa. Casa sim, pois como dizem os poetas do povo, casa é casa, lar verdadeiramente é onde o coração reside, e o meu lar estava distante de mim, com seus cabelos vermelhos.

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