Tarcísio



Era a terceira noite consecutiva que ele ia àquele bar. Nunca havia aparecido ali antes, mas sua terceira visita com a mesma roupa e mesmo pedido já fizeram dele um cliente a ser notado.
Não consumia mais do que um copo de uísque, bebida que demorava a ingerir e que encarava com olhos vidrados, como se no fundo do copo daquela drinque de tom amadeirado houvesse um verdadeiro universo em ebulição.
Era a bebida que mais se assemelhava aos cabelos dela, um castanho peculiar e tão único aos olhos dele. Era a bebida que lembrava a força da personalidade dela, tão forte, tão marcante. Era a bebida que ela odiava.
No fundo do copo só ele conseguia ver as feições dela, como uma sereia que surge do fundo das águas para conquistar os marinheiros e puxá-los para o fundo do mar. Ele era o marinheiro,  e o mar, para o qual ele era arrastado até o fundo, se chamava saudade.
Ela o havia abandonado, sem desculpas e sem motivos, deixando-lhe apenas um bilhete escrito À mão: "Com amor, adeus". E afogado no copo de uísque ele se perguntava como seria possível um adeus com amor.
Não havia como nadar até a borda do copo, não havia como esquecer o olhar dela, não havia como não imaginar N motivos para ela o ter deixado.
Ela dizia que estava feliz... mas era mentira, como também era mentira aqueles olhos no fundo do copo, como ela era uma mentira para seu coração.
Se ela estava no fundo daquele copo, ele a executou com um golpe rápido e sem piedade, engolindo de uma vez só o que lhe queimava a garganta, mas que sem solução se alojara no peito.
Ele voltaria ao bar amanhã, mas ela não voltaria para ele jamais.

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